Antes de dizer o quer quer que seja sobre o assunto, faço a ressalva do seguinte: vida e morte são coisas que estão muito para lá do valor que possamos atribur nas nossas existências ao futebol, pelo que mesmo um gajo como eu, que adora futebol e despreza tudo o que diz respeito ao SLB, deve saber distinguir entre a importância de alguém para a modalidade (coisa obviamente discutível e pouco objetiva) e a importância de estar vivo ou morto (valor absoluto e inquestionável). Morreu um homem, de idade avançada, é certo, mas que tinha família e amigos. E a morte é sempre motivo de consternação, pelo menos, para os que lhe eram próximos. Ponto final.
Eu não vi o Eusébio jogar "ao vivo". Mas vi, inevitavelmente, as imagens do Portugal-Coreia e ouvi o meu pai e outras pessoas que viveram aquelas emoções em tempo real falar com desmesurado fascínio das proezas do dito senhor. Porém, fosse ele um símbolo do F. C. Porto ou tivesse ele conseguido ganhar o Mundial de Futebol a mancar, jamais compreenderia, como não compreendo, esta depressão coletiva em que supostamente o país e o mundo se encontram desde ontem.
Eusébio foi um enorme futebolista, cuja lenda perdura. E fê-lo atuando num tempo em que a mediatização em torno do futebol era incomparavelmente menor. Uma proeza fantástica, claro, sobretudo num país triste e cinzento como o do Portugal salazarento. Mas, que fique claro, Eusébio, a despeito das narrativas fabulosas que li ontem e hoje, não deu mais nenhum contributo significativo ao país nem se distinguiu em rigorosamente mais nada do que o pontapé na bola (tal como o Cristiano Ronaldo). Não era nem um cidadão que merecesse distinção, nem sequer um modelo de desportista e muito menos um atleta disciplinado.
E quanto a intervenções públicas extra-futebol nem faz sentido falar do assunto porque o senhor, como disse o velhinho Mário Soares, rompendo involuntariamente a ladainha apologética, era um "homem modesto e muito simpático", "com pouca cultura" e que "bebia muito".
Resumindo, a dimensão alegadamente icónica de Eusébio da Silva Ferreira vale para o planeta do futebol e, muito especialmente, para os megalómanos lunáticos do Benfica, mas somente isso. Já agora, vale também para o Luís Freitas Lobo e para o João Rosado, cujas declarações em tom lacrimejante escutei ao fim da tarde no "Jogo Jogado" da TSF. Tentarem fazer dele uma espécie de Mandela tuga é, no mínimo, uma parvoíce que a própria pessoa de Eusébio por certo não reclamaria.